sábado, 3 de março de 2012

Como vai essa gente "só"?

Celso Carvalho

Após completar o sétimo dia da criação do mundo, Deus viu que o homem não ficaria bem sozinho. Das costelas de Adão gerou uma companheira e determinou que deixassem pai e mãe para serem uma só carne. A passagem bíblica descrita no livro de Gênesis é bem conhecida; entretanto, contrapõe a realidade atual. Os brasileiros, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estão se casando cada vez menos, mais tarde e se divorciando mais. O número chega a 35 milhões. Deste grupo, 20 milhões são mulheres, e 15 milhões, homens.

Nas comunidades evangélicas, os solteiros, viúvos e divorciados sofrem duas vezes, tanto pelo preconceito quanto pela falta de um trabalho direcionado a eles. Uma pesquisa inédita realizada pelo Sepal (Serviço de Evangelização para a América Latina) em parceria com o Ministério Apoio, trabalho voltado para solteiros adultos, viúvos e divorciados, entre setembro de 2005 a fevereiro de 2006, com mais de 500 pessoas do Brasil, apontou que 80% das igrejas evangélicas brasileiras não possuem um ministério com os chamados sós. As justificativas não convencem: número insuficiente de pessoas, ausência de maturidade espiritual e emocional na liderança, pastores desinteressados etc. Nesta edição, Enfoque mostra dados dessa nova pesquisa e ouve pessoas que, mesmo sozinhas, venceram as dificuldades e encontraram a felicidade.

OS SOLTEIROS E A IGREJA

Alguém pode até dizer que nos dias de hoje tem sido mais fácil encontrar o par ideal. Isso porque a tecnologia reduziu distâncias e há uma disponibilidade maior de pessoas no ambiente da internet, com sites e salas de bate-papo variados, inclusive de evangélicos. Se, por um aspecto, encontrar um companheiro deveria estar sendo mais prático, por outro não é bem assim que acontece. A mesma tecnologia que reduziu distâncias acabou tornando os relacionamentos superficiais.

A crescente fragilização das emoções, o medo da rejeição e o excesso de compromissos da vida profissional acabam fazendo com que a procura por alguém e a oportunidade de amar fiquem em terceiro plano. Esta procrastinação referente a sentimentos e relacionamentos foi registrada pelo IBGE. Os brasileiros, segundo o instituto, estão se casando por volta dos 30 anos. Bem mais tarde do que no passado, quando as mulheres se casavam com 20 anos, ou até menos.

A palavra “encalhado”, tão duramente usada por muitos para identificar aquele que está sozinho, sem formar uma configuração mais tradicional de família, ainda é usada, principalmente nas igrejas. Nesse ambiente religioso, onde questões morais são mais monitoradas, os chamados “sós” enfrentam, mas superam, os desafios. Mas será que existe uma faixa de idade para que alguém seja considerado “encalhado”?

Rosimar Machado, psicóloga, psicopedagoga, terapeuta de família e mestre em sexologia, acredita que o rótulo de “encalhado” tem mudado nos dias atuais. “Antigamente, aos 25 anos, uma moça solteira já era considerada “encalhada”, e o mesmo se dava com um rapaz por volta dos 28 anos. Hoje, essa idade tem sido ampliada, mesmo em nosso meio eclesiástico”. Nos dias atuais, já se aceita que tanto uma mulher quanto um homem chegue aos 30 anos ou mais, ainda solteiro, sem receber esse rótulo preconceituoso. “A questão da busca pela independência financeira através das conquistas profissionais tem modificado bastante essa realidade”, diz Rosimar, que também percebe a ação de um outro fator: o aumento da perspectiva de vida, que faz com que a juventude se prolongue mais. O interessante é que esse rótulo, em geral, é direcionado aos solteiros, ou seja, aqueles que nunca se casaram. O mesmo não ocorre com os divorciados ou viúvos, que geralmente são vistos como “fracassados” ou “sem sorte”. Juízos igualmente preconceituosos e equivocados.

Como prova de que os preconceitos existem, a webmaster Alessandra Oliveira, 34 anos, passou por maus momentos. Ainda solteira, ouvia de familiares e colegas que, se não “corresse atrás”, ia ficar para “titia”, ou seja, “encalhada”. Tão logo começou a procurar na rede pessoas que passavam pela mesma situação, Alessandra organizou um grupo de solteiros evangélicos em 2001 e promoveu cinco encontros entre Rio e São Paulo. Com o advento do orkut, o grupo cresceu e hoje conta com nove mil jovens que procuram um grande amor. “O medo mais comum é o de ficar sozinho, sem contar a pressão por parte da família”, argumenta a webmaster. Ela percebe que a principal reclamação das moças é a falta de homens. Deles, ouve o argumento de que as mulheres não querem compromisso sério.

O cupido eletrônico deu certo para muitos. Cinco casais se formaram através do grupo. Alessandra, porém, casou-se no início de outubro deste ano com uma pessoa que conhecera em seu próprio ambiente de trabalho. A criadora do grupo lembra que sofreu constrangimentos, mas dá seu recado para quem espera um relacionamento de verdade: “Se você está sozinho é porque não chegou o tempo de ter alguém. Não se deixe levar pelo desespero”.

Quem também passou por más experiências foi Gilzana da Silva Santos, 46 anos. Hoje casada, ela conta que passou cerca de duas décadas procurando um par. “Eu tinha um padrão de exigência muito alto para um relacionamento. Quando via que era superficial, caía fora”, justifica a razão de tanta demora. Ela enfatiza que uma das vantagens de ser solteiro é ter mais tempo para investir nos estudos. Nesse período, cursou três faculdades e chegou a morar em Roraima. “Quase entrava em depressão, pois em festas de final de ano via minhas irmãs casadas e eu sozinha”, relembra Zaninha, como é carinhosamente chamada. Gilzana mora na cidade serrana de Nova Friburgo (RJ) e é casada há seis anos com Jean – certamente uma história de final feliz.

Gary Haynes é pastor, tem 44 anos e ainda é solteiro. Ele acabou escrevendo A Bênção de Ser Solteiro (Editora Atos), no qual afirma que quando se vive este estado civil se tem mais tempo para investir no Reino. “Não defendo a renúncia do casamento. Quando se está solteiro, é possível viajar e se dedicar à obra de Deus com viagens missionárias e noites em vigílias”, argumenta Haynes, que viajou para 50 países e participou de quatro guerras civis como missionário. “Se estivesse casado, não poderia fazer essas coisas”, complementa.

Para o pastor Fausto Brasil, líder do Ministério Apoio, a sociedade e a igreja não estão errados em reforçar a necessidade do casamento, no entanto pecam na forma de tratar o assunto. Ele exorta: “Acredito que a maioria das pessoas casadas não imagina o quanto suas atitudes e palavras machucam. Ao invés disso, devemos acompanhar os sós em oração e até mesmo apresentar pessoas que poderiam interessar-lhes, mas sem forçá-los a nada”.


Para a psicóloga Rosimar Machado, estar sozinho nem sempre é uma escolha pessoal, pode ser consequência de desencontros. “A mulher ou o homem cristãos precisam ser ajudados, e não rotulados, precisam ser recebidos, não excluídos, amados, e não discriminados”

SOZINHO, MAS NÃO SOLITÁRIO

Rosimar Machado considera que é possível estar bem sozinho desde que a pessoa não se sinta solitária. “A questão da idade é importante, mas não podemos esperar que pessoas de 20, 30, 40 ou 50 anos pensem ou tenham as mesmas atitudes. Ser solteiro aos 30 é diferente de ser divorciado aos 50. As experiências são muito diferentes, principalmente se há ou não filhos nessa ‘história’, se a pessoa vivenciou ou não o sexo. Não creio que, por ter tido uma experiência sexual anterior, alguém não seja capaz de esperar para vivê-la novamente de maneira madura, adequada e santificada. Mas penso também que a questão da sexualidade ainda é tratada de maneira muito equivocada, repleta de tabus e preconceitos dentro de nossas igrejas”. A mestre em sexologia observa que os evangélicos devem buscar a sabedoria de Deus para lidar com a questão, deixando de lado a hipocrisia, o moralismo e o legalismo, sem ser vulgar. “O mundo trata as questões da sexualidade com vulgaridade; nós, geralmente, com ignorância e hipocrisia”.

O pastor Gilson Bifano, coordenador do ministério Oikos, direcionado à família, defende a posição da “felicidade single”. “Conheço muitas pessoas casadas e infelizes e muitos solteiros felizes. Para ser feliz não é preciso uma certidão de casamento”, confirma, citando que, assim como Jesus, Paulo também foi solteiro.

OS DIVORCIADOS E A FÉ

De acordo com uma pesquisa do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), o divorciado é o que mais muda de religião. Entre eles, 52% mudaram de fé. Entre os separados judicialmente, 35%. O motivo, segundo Fausto Brasil, se deve ao fato de a igreja manter posições distintas sobre divórcio e um novo casamento. “Muitos líderes e pastores entendem que a Bíblia orienta que o casamento só termina com a morte, e que nem em caso de adultério se deve considerar a possibilidade do divórcio”. Para Brasil, não se trata de mudar de religião. Esse percentual de divorciados continua evangélico, mas fez a opção de sair de sua denominação e migrar para outra mais tolerante. “Alguns até continuam evangélicos sem freqüentar alguma igreja, ou freqüentam uma igreja sem se tornarem membros dela”, analisa, demonstrando preocupação com esse público que, para ele, não deve ser discriminado ou sequer desconsiderado.

Outro dado apontado na pesquisa feita pelo Sepal e o Ministério Apoio é que 80% das igrejas não possuem um trabalho específico para este grupo. No levantamento, 58% dos entrevistados demonstrou desejo de investir na obra de Deus e apenas 36% deles tiveram apoio emocional adequado.

Após perder o marido e aprender a superar tantas dificuldades, Ana Lúcia Fernandes sentiu-se motivada a organizar o Ministério Só...Ria. O grupo estabelecido em Campinas (SP) reúne solteiros, viúvos e divorciados que estudam a Bíblia, compartilham suas expectativas e, é claro, dividem o sorriso. “Ainda existe preconceito em relação aos sós. Contra os solteiros porque pensam estar encalhados e contra os divorciados por pensarem ter feito algo errado”, fala Ana Lúcia durante os encontros que reúnem, em média, 30 pessoas.

A missionária Débora Machado, da Igreja Luz e Vida em Balneário Camboriú (SC), é líder do Ministério Recomeçar. Ela também defende mais investimento no trabalho direcionado aos singles e uma melhor qualificação da liderança. “A igreja abandonou um tesouro valioso”, opina. Citando Marta e Maria, que em sua visão eram jovens, solteiras, adultas e felizes, Débora diz que o grupo presta assistência nutricional, física, jurídica e até sexual. “É um verdadeiro SPA de Jesus”, brinca. Para ela, a pressão sobre pessoas acima de 30 anos, sejam solteiras ou divorciadas, tende a provocar conseqüências negativas como depressão, baixa estima e relacionamentos frustrados.

É possível ser feliz, reforça Rosimar Machado, mesmo quando se faz a escolha de ter uma vida celibatária. “Entretanto, estar sozinho nem sempre é uma escolha pessoal, mas uma circunstância, ou seja, quando é conseqüência de desencontros, a mulher ou o homem cristãos precisam ser ajudados, e não rotulados. Precisam ser recebidos, e não excluídos. Precisam ser amados, e não discriminados”. Para ela, as conversas abertas e de qualidade são bons remédios para isso. No mais, como diz a própria Bíblia: “É melhor serem dois do que um...”


QUEM SÃO OS EVANGÉLICOS SÓS DENTRO DAS IGREJAS:

  • 71% têm nível superior.
    73% freqüentam igrejas onde não existe ministério específico para Solteiros, Viúvos e Divorciados (SDV).
    74% não participam de nenhum ministério com SDV.
    36% não exercem nenhuma atividade na igreja.
    56% desejam servir a Deus na obra missionária.
    52% disseram que seus pais não tiveram uma boa relação afetiva.
    78% foram criados por pai e mãe juntos.
    23% sofreram abuso ou constrangimento na infância.
    6% sentem desejo por pessoas do mesmo sexo.
    47% têm filhos. Desses, 8% são solteiros.
    92% crêem que um casamento alteraria a solidão e a tristeza.
    84% gostariam de encontrar um companheiro para se casar.
    40% afirmam que o mais difícil na vida é a solidão. Para 13%, o mais difícil são as tentações sexuais.
    43% devem sua separação à infidelidade, sendo o índice um pouco maior entre os divorciados (46%) do que entre os separados (37%). A segunda causa seria a “incompatibilidade de gênios” (13% tanto para os divorciados quanto para os separados).
    Durante a separação, os entrevistados receberam apoio da família (35%). Apenas os divorciados, separados e viúvos foram considerados nesta pergunta. Apesar disso, observou-se um alto índice de abstenção.
    Na pergunta: “Você diria que sua separação teve como maior conseqüência na sua vida...” A resposta de maior incidência foi “crescimento espiritual”.
    73% dos entrevistados disseram que quem tem compromisso com a fé cristã encontra dificuldade para encontrar um cônjuge.

Matéria extraída da Revista Enfoque - 2006

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